Esse livro resulta da 1ª dissertação de mestrado sobre Nova Era no Brasil. No final dos anos 90, considerava-se que a Nova Era ainda se encontrava em um estado inicial, ainda cru. Já faz 20 anos desde sua publicação e vemos que a Nova Era está firme e forte. Não há nada de desatualizado no trabalho.
O autor se fundamenta num amplo estudo de trabalhos de antropólogos, sociólogos e teólogos nacionais e internacionais. Além disso, conta com sua experiência própria. O autor era um “insider”. Passou pelo Espiritismo, Santo Daime, fez peregrinação em Machu Picchu e pela Projeciologia de Waldo Vieira.
Nesse livro você encontrará as raizes sócio-culturais da Nova Era, marcada, entre outros, por influência do movimento contra-cultural dos anos 60 nos EUA. Depois de uma pesada dose conceitual que toma metade das páginas, o autor nos apresenta 3 estudos de caso: O Espiritismo, a Projeciologia/Conscienciologia e por último o estudo de caso do escritor Paulo Coelho.
A IDEIA PRINCIPAL
O título menciona o “Self Perfeito“, uma característica comum nas diversas práticas New Age. O “Self Perfeito” é um ideal que sabemos ser impossível de se atingir, mas mesmo assim envidamos esforços para alcançá-lo. Vira um processo sem fim. Inatingível mas válido.
E “Nova Era” significa uma nova consciência, uma espiritualidade sem religião. É uma forma de racionalização do mundo. Nova Era é a própria modernidade impactando as religiões, a medicina, a psicologia etc.
O termo Nova Era não se aplica a uma instituição. O termo Nova Era se aplica a um tipo de relação entre pessoas e os saberes religiosos, científicos, culturais e até mesmo profissionais. Ela está por todos os lados. A Nova Era está aí sem ser notada, é invisível. Devido à essa liquidez, Anthony D’Andrea identifica as características dessa “nova consciência“, o perfil de seus praticantes e seus sistemas de valores.
Essas características ficaram dispersas ao longo do livro. Consolidei então uma lista. Se prepare. Veja se você se encaixa:
- Nenhum “new ager” se considera “new ager” pois ele não optou conscientemente por isso. O new ager é new ager sem saber. Alguns praticantes são mais “new agers” do que outros;
- O new ager é prático;
- É avesso às religiões tradicionais maiores;
- É secular. Isto é, tem interpretação própria de suas vivências e experiências místicas;
- Interpretação própria inclusive de fatos científicos adequando-os à sua cosmovisão;
- É de pensamento relativista. Ninguém é dono da verdade. A verdade é de cada um;
- Tem elevado grau de autodidatismo;
- Autoreflexão. Liberdade de pensamento. Não há dogmas. Aversão à valores rígidos;
- Apesar da racionalidade, valoriza a intuição. Consegue um equilíbrio entre razão e emoção;
- É influenciado por diversos conceitos de psicologia não mais exclusivo aos especialistas;
- Aceitação de práticas que abram as portas do inconsciente para que facetas da alma se revelem e aí poderá entrar em contato consigo mesmo;
- É plural, multifacetado, multicultural, globalizado;
- O new ager é questionador do mundo tecno-industrial materialista e belicoso. Avalia negativamente o sistema dominante;
- Dedicação à movimentos sociais ecológicos, pacifista, feministas e pró-minorias. Quer melhorar as condições de vida da humanidade;
- Tem relação temporária com os grupos. Suas instituições são organizadas em rede, descentralizadas, de baixa fidelidade mas de alta afetividade. Participação voluntária em grupos;
- Busca aproximação da natureza resgatando uma experiência natural que foi perdida na vida urbana e pelo seu ego “civilizado”;
- Panteísta. Deus está em tudo no universo. E tudo junto forma Deus inclusive as leis invisíveis;
- Holista. Está tudo conectado;
- O new ager acredita estar conectado com Deus, guarda nele uma chispa divina de perfeição que se deve deixar liberar (o tal do potencial criativo). É o self perfeito a ser alcançado como evolução;
- Acredita que essa evolução vem por auto-esforço. O indivíduo é autônomo responsável pela sua própria salvação;
- Crença num processo de evolução gradativo sem queima de etapas;
- Doenças sempre estão relacionadas como projeção de planos superiores desajustados. O processo de cura reside na própria pessoa;
- Quer que cada indivíduo promova sua própria transformação e realização;
- Busca o empoderamento do indivíduo;
- Acredita que a situação desfavorecida em que os outros se encontram é fruto da ignorância espiritual e provenientes de atos de vidas passadas (carma);
- Entendimento que o sofrimento é do ego pois o self (eu maior) é perfeito;
- Crença de viver num tempo de mudança planetária, num momento de virada para uma nova era de transformação de mentalidade;
- Acredita que no estágio atual as pessoas ainda não despertaram para todas as suas possibilidades;
- Revisa hábitos para um estilo de vida de virtudes;
- Anti-machista;
- Pratica meditação e pratica rituais em grupo;
- A chispa divina não é só uma meta. Ela é uma realidade interna que o faz um “guerreio de luz”. E ao combater o bom combate o universo conspirará ao seu favor.
Em seu estudo, Anthony D’Andrea identifica particularidades da Nova Era no Brasil. Enquanto que na Europa a Nova Era tende aos cultos dos druidas e do misticismo Celta, no Brasil a Nova Era é evolucionista e conta com um marcante caldeirão simbólico psico-espírito-mediúnico oriundo do Espiritismo, de religiões indígenas, e do Santo Daime.
Em seu livro “Espiritualidade para Corajosos” (clique aqui), Luiz Felipe Pondé criticará o caráter consumista desse tipo de espiritualidade. Mas em seu livro, Anthony D’Andrea dirá que a Nova Era no Brasil é menos comercial que na Europa.
ADMIRAÇÃO DISCORDÂNCIA
“O self perfeito e a Nova Era” tem pontos negativos. São eles:
- Foi infeliz a escolha de duas palavras tão parecidas: reflexividade (mundo externo) e reflexiva ou reflexivista (interno). São palavras importantes para a construção dos argumentos mas devido a semelhança requer atenção redobrada do leitor;
- Não concordo com algumas considerações do autor sobre a conscienciologia. Ficou claro que o autor teve uma interpretação superficial. Ficou de fora como a maior parte dos acadêmicos. Não desenvolveu habilidades parapsíquicas e isso limitou seu entendimento;
- Essa tentativa de descrever uma situação maior do que consegue perceber, resulta num holopense de confusão;
- O autor vinha muito bem e fugia do padrão pejorativo tão comum nas abordagens da Nova Era até chegar no cap.5 onde consegue comparar a projeciologia com suicídio físico. Ou quando se refere à Waldo Vieira como o “bruxo da barca branca”. Diz que ali acontece uma coerção grupal que se associa ao fascismo. Exagerou;
- Ao transformar sua tese em livro, o autor poderia ter abandonado um pouco do rigor acadêmico. O resultado é um livro prolixo, cansativo;
- Poderia ter desenvolvido um pouco mais sobre o “Afro New Age”;
- O autor enfatizou demais algumas características da Nova Era para tentar no final encaixar a Projeciologia de Waldo Vieira. É como que se tivesse colocado a resposta na pergunta para afirmar seu ponto;
O livro não é para todos. Seu conteúdo é uma análise sociológica da Nova Era. O leitor comum vai perder a paciência com tantos conceitos: sincretismo, ecletismo, reflexismo, pós-modernidade, individualismo, alternativismo…
“O self perfeito e a Nova Era” não é um livro introdutório e sua leitura não é agradável. Tentei colocar nesse post as principais idéias para vc não ter que ler todo o livro. Mas se você encarar o livro, além de aprender mais sobre você mesmo, terá ao final uma base sobre esse fenômeno apontado por alguns como um dos principais fatos dos últimos 100 anos.