ALONE WITH THE ALONE

Sub-título: Creative Imagination in the Sufism of Ibn Arabi

MOTIVAÇÃO
Estou fora da moda. Em uma época onde as atenções estão todas para o ChatGPT (o intelecto artificial) ando mesmo é interessado na IMAGINAÇÃO. E nessa jornada “fora da moda” sobre processos imaginativos me deparei com Henry Corbin, um intelectual francês (1903-1978) que trouxe do oriente para o ocidente o “mundo imaginal”, conceito de Avicena (980-1037) que representa o mundo intermediário entre a matéria e o divino. Esse mundo não é um lugar, mas um tipo de capacidade imaginativa que conecta o homem aos anjos. Um mundo diferente da fantasia onde são produzidas as experiências místicas.

Uma introdução a esse mundo imaginal você encontrará no livro “Imaginal Love“, o qual já discorremos aqui em nosso site Medite Comigo (clique e leia nossa resenha). Gostei muito e me aventurei a ler Henry Corbin diretamente sem intermediários.

O AUTOR
Henry Corbin não é místico, muito menos religioso. É um filósofo. Foi o grande tradutor das obras dos pensadores do mundo árabe. Em seu trabalho, Henry Corbin foi influenciado por 3 dessas personalidades que tratavam da imaginação: Ibn Arabi (Espanha,1165-1240), Suhrawardi (Irã,1154-1191) e o xeique Ahmad Ahsa (Arábia Saudita,1753-1826).

O livro do qual se trata esse post é a principal obra de Henry Corbin. Ela é centrada em Ibn Arabi, tido como uma das pessoas mais inteligentes de sua época. Esse livro é o principal que Henry Corbin extrai e resume de Ibn Arabi (autor de centenas de livros).

CONTEÚDO
Encontraremos em “Alone with the Alone” aulas ministradas por Corbin nos anos de 1955 e 56. Virou livro em 1958. Foi traduzido do francês para o inglês em 1969. Até a data desse post não havia tradução para o português.

O prefácio dessa edição da Universidade de Princeton é assinado por Harold Bloom (1930-2019), um dos críticos literários que apitavam no meio editorial norte americano. Em suas 11 páginas Harold comete um erro grosseiro, já alertado pelo próprio Corbin, que é tentar comparar o estado místico com outro estado como o da poesia. Harold quer convencer que o estado que alcançaram os místicos islâmicos através de dedicação à oração, silêncio, jejum, auto-conhecimento é alcançável simplesmente lendo um livro de Shakespeare. Tenha paciência. Harold reconhece suas limitações no tema da espiritualidade. Me pergunto porque então aceitou escrever esse prefácio. Harold já está no céu. Vamos ao que interessa.

E o que interessa é que este livro trata de forma profunda a comunhão com Deus. Não vai diretamente da matéria para o divino. Ele se firma no mundo intermediário. Assim situa a argumentação em um lugar que é uma ponte entre filosofia e teologia, entre razão e religião, entre conhecimento e fé. Não é um livro de dogmas religiosos ou de conceitos rígidos e sim das experiências pessoais de Ibn Arabi.

ORGANIZAÇÃO
Na introdução, de 99 páginas, Henry Corbin nos dá trechos da fase mística de Ibn Arabi. Nos fala da situação do esoterismo islâmico, faz comparação com o Cristianismo e sua evolução. Para quem não é especialista, essa introdução é muito bem-vinda. Após a introdução, o livro se divide em duas partes.

Na primeira parte temos um pouco de história:

  • Corbin fala do encontro do Sufismo com o Islã. Isto é, o encontro de uma religião mística com uma religião profética. Desse encontro nasce uma ideia central daqui para frente que é a união mística entre a pessoa que reza e Deus. A percepção dessa união se dá via a Imaginação Criativa.
  • Henry Corbin explica um pouco das correntes filosóficas: Aristóteles, Avicena, Al Ghazali, Averrois.
  • Nos conta as viagens de Ibn Arabi por todo o mundo árabe.
  • Nos introduz a alguns temas que serão vistos em mais detalhes como: O amor por Deus, o nome de Deus, o caminho à Deus, a realização pessoal, a realização de Deus, e a manifestação individual de Deus.

Para mim, leitor leigo, essa primeira parte foi como um prolongamento da introdução.
Aí vem a parte difícil… Vou tentar simplificar.

Na segunda parte se fala de uma fisiologia sutil, centrada no coração, que permite ao místico se comunicar nessa Imaginação Criativa. Para isso Henry Corbin parte de uma experiência de Ibn Arabi onde é literalmente tocado por um guia. Da forma como é contada trata-se de uma experiência bem comum ao médium espírita. É o meu primeiro contato com Ibn Arabi mas não será precipitado afirmar que nos níveis mais simples Ibn Arabi não tem a mesma lucidez que um professor epicon da Conscienciologia. Mas esse é apeas o ponto de partida e Ibn Arabi vai para estágios mais avançados onde julgo lá ter tido bastante lucidez. E é aí que está o corpo revelante do livro que permite um estudo da união mística.

Ainda nessa segunda parte o autor fala da criação do Mundus Imaginalis: Chega-se lá via oração, mas não qualquer oração. Não é um processo mecânico seco. Está mais relacionado à pré-disposição e entrega sincera. Quase todas as religiões falam isso. A novidade é a afirmação que a manifestação (criação) divina é condicionada ao nível de oração do sujeito.

Na terceira e última parte Henry Corbin “estica a corda”. Reforçará que Deus se releva (criação) de forma individual. E que no ápice o que se revela ao místico pode ser entendido como um Anjo Individual. É no Mundus Imaginalis em relação com o coração etérico onde são formadas as imagens do mundo. E o mudo está sendo criado a cada instante em múltiplos planos de existência.

Todo o conteúdo do livro servirá para que Henry Corbin consiga nos detalhar o método de oração individual proposto por Ibn Arabi que se dá em 3 etapas: conversação, presença e contemplação.

APRENDIZADOS
Bem, tem muita coisa interessante nesse livro. Uma delas é entender que a parte Divina em nós é o que alimenta o desejo pela jornada espiritual. E é exatamente essa mesma parte Divina em nós que se apresenta, que é alcançada, no fim do caminho com toda sua grandiosidade. É meditando nessa revelação que conhecemos quem somos.

Também interessante entender que como Deus é percebido individualmente não há sentido em se defender um Deus único(monoteísmo) tão pouco um politeísmo. O que temos aqui senhoras e senhores, é a base para um verdadeiro universalismo.

FACILIDADE DE LEITURA
Esse é um livro à frente do seu tempo pois enquanto o mundo ainda começava a traduzir Avicena, Corbin já falava de Ibn Arabi. Esse era um receio que eu tinha. Me meter em algo que necessitasse de conhecimento prévio como Avicena, Aristóteles, filosofia grega. Nada disso foi preciso. Você pode ler Henry Corbin sem todo esse aparato intelectual. Não quer dizer que será fácil pois Corbin joga o esoterismo para um alto nível de discussão.

Comecei esse post falando mal do ChatGPT, mas tenho que reconhecer sua utilidade. Muitas palavras e conceitos utilizados por Corbin são comuns aos especialistas e estudiosos da religião. Para pessoas como eu que não faz parte da academia elas não são triviais. Fora isso há inúmeros termos em grego e árabe. Só conseguia avançar recorrendo ao ChatGPT.

Ao final temos notas do autor que tomam pouco mais de 100 páginas. São enriquecedoras e necessárias para o entendimento.

Fique tranquilo, Henry Corbin explica a mesma coisa de mil formas diferentes. Não podemos categorizá-lo como prolixo. É que para a fixação desses assuntos “não triviais” é necessário a abordagem a partir de diferente ângulos.

Mas há um risco sim. Se você leitor não teve experiências místicas assim como aconteceu com o prefacista Harold Bloom, será difícil entender. Não é arrogância. É que a experiência mística é paradoxal e ao tentar ser explicada ela é reduzida, podada. Sem a prática ficará parecendo tudo mera poesia.

RECOMENDAÇÃO
O Sufismo para Henry Corbin oferece as bases que faltam aos gnósticos em suas tentativas de aliar conhecimento às próprias experiências. Ao lermos o livro acabamos por acreditar que é isso mesmo. Ele é bem sucedido nisso, explica muita coisa e portanto deixo minha recomendação.

Não há correspondência direta entre o estado mental a que se refere Ibn Arabi e outro estado descrito seja no Budismo, na Conscienciologia ou no Espiritismo. Bem, a rigor, há um pedaço aqui e outro ali claro. O que há de mais próximo encontrei nos trabalhos de Rudolf Steiner na Antroposofia. E talvez esse seja o melhor, começar pelo livro “Os limites do conhecimento científico” (clique aqui para ver a resenha).

Importante dizer que Henry Corbin não lança teorias e tenta explicá-las. Ele tem um estilo que ele chama de “meditação” onde lança perguntas profundas e vai construindo as respostas. Como se diz aqui no nordeste: Achei ARRETADO!

VIDEOS SUGERIDOS PELO AUTOR DESSE POST:

Tom Cheetham fala sobre o livro Alone with Alone e sobre Henry Corbin. Video em inglês. 2 horas

Sobre o Mundus Imaginalis de Henry Corbin por
William Passarini, em português (1 hora)

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PAULO HENRIQUE ARAUJO

paulo@meditecomigo.org

Moro em Recife. Desde cedo trabalhei e empreendi em vários segmentos dentro e fora do Brasil. Quando morava na China percebi que deveria dar mais atenção ao caminho espiritual. Além dos cursos e das práticas, os livros também ajudaram na minha jornada. Compartilho aqui alguns resumos na esperança que eles também lhes sejam úteis. Para ver todos os posts de Paulo clique aqui.

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