Esse livro é um espetáculo.
Desde cedo, Karen Armstrong queria encontrar Deus. Virou freira aos 20 anos. Não encontrou Deus e abandonou a vida de freira. Seus anos de estudo procurando Deus lhe proporcionaram um conhecimento ímpar. Transcreveu esse conhecimento para livros que lhe renderam em 2017 o prêmio espanhol “Princesa das Astúrias de ciências sociais”, prêmio anual concedido àqueles com feitos notáveis nas áreas das ciências humanas (https://www.fpa.es/pt/).
“A história de Deus” é seu nono livro.
Karen Armstrong nos conta, em pormenores, a evolução da ideia de Deus. É um livro de fatos históricos, políticos, filosóficos e culturais que moldaram o conceito de Deus desde sua “invenção” até os dias de hoje.
É Deus um só ou há vários?
Deus é o todo? É a Natureza?
Deus tudo pode?
Há distância entre o homem e Deus?
Deus é para um, para alguns ou para todos?
Essas e outras perguntas foram profundamente debatidas ao longo da humanidade. Cada pergunta em sua época, por um povo. Assim, a ideia de Deus amadureceu. Deus não é mais o que era antes.
Como são muitas as religiões, Karen Armstrong foca nas 3 maiores religiões monoteístas: cristianismo, judaísmo e islamismo. As visões politeístas do hinduísmo, dos pagãos, dos budistas “bodhisattvianos” são brevemente comentadas. Religiões tipicamente brasileiras e africanas, essas nem aparecem.
COMO O LIVRO ESTÁ ORGANIZADO
O livro segue o percurso cronológico.
Os deuses pagãos existiam primeiro. Depois surge Javé, o Deus dos judeus. Javé é uma inovação revolucionária: é Deus único e antropomórfico. Daqui para frente, esse conceito de Deus influenciará todo pensar do homem ocidental. Se você acredita que Deus é único, saiba que essa ideia vem dos judeus.
Depois, Karen Armstrong nos apresenta a visão de Platão e de Aristóteles com o seu Motor Imóvel. Diz ele: todo movimento deve ter uma causa geradora. É o primórdio do que hoje conhecemos hoje como “causa primordial”. Karen Armstrong não cita Allan Kardec. Mas esse é o Deus que aparece no Livro dos Espíritos de Allan Kardec. O motor imóvel de Aristóteles também me lembra o “Primo Pensene” de Waldo Vieira, não acha?
Seguindo na história, é com o judeu Filón de Alexandria (30AC – 45C) que o conceito judaico de Deus encontra a razão filosófica dos gregos. A síntese de Filón influenciará todo o mundo cristão. Ele lança conceitos como logos, essência, energias. O Deus de Filón está acima da razão e se alcança apenas com a contemplação. Pois bem, alcançar Deus via a contemplação é ideia que parte de Filón de Alexandria.
Esse Deus contemplativo está longe do homem. Então os fariseus (Judeus) propõem um Deus mais próximo do homem. Com os fariseus, Deus passa a ser pessoal e não pode ser descrito. Deus passa a ser uma experiência subjetiva. Nessa visão, como Deus agora é próximo, ele pode reger todos os mínimos detalhes da vida cotidiana. Um Deus tão próximo que não há mais necessidade de um templo. O templo é interior. Você também já deve ter ouvido essas idéias. Pois bem, elas tem data e local de origem.
No segundo capítulo entramos no cristianismo. Deus já tinha sido inventado. Primeiro ele era antropomórfico aí passou a ser transcendente. No cristianismo temos a recuperação do antropomorfismo ao seu extremo máximo: Cristo é a personalização de Deus. Essa foi uma forma de gerar identificação e empatia do “público”. Assim como esse, outros conceitos foram desenvolvidos. Nesse período tem destaque as contribuições de Plotino, Clemente e Orígenes.
No quarto capítulo já estamos no Séc IV, com o catolicismo “oficializado”. Nesse período, surge a idéia da trindade e toda confusão que existe sobre isso até hoje. Naquela época, várias questões foram decididas na “marra” por imposição do Concílio de Nicéia. Ficou proibido questionar essa e outras ideias.
Em 610, Maomé, com quarenta anos de idade, foi visitado pelo anjo Gabriel e daí surge o sagrado Alcorão. Entramos na fase das idéias proféticas. Karen Armstrong nos apresenta de forma muito empolgante toda essa cultura. Nos apresenta os mestres sufis e os filósofos árabes que séculos mais tarde percebem uma influência demasiada da filosofia grega e do pensamento científico e como resposta resgatam um islamismo mais puro. Suas publicações têm contribuições importantes que ainda hoje estamos descobrindo.
Karen também vai passar pela contribuição dos filósofos “formais” clássicos, a visão dos protestantes, dos místicos, a influência do iluminismo. A contribuição dos cientistas, de Copérnico, de Galileo, de Isaac Newton. O panteísmo onde o Deus é o universo ou a natureza. Os argumentos contrários à afirmação que “Deus é”. Karen passa por tudo isso.
A história de Deus, diz a autora ao final do livro, pode nos oferecer algumas lições e advertências. Entre elas a de que, por preencher um vazio no homem, o conceito de Deus pode ser usado para manipular os homens.
PONTOS DE DESTAQUE
EXPERIÊNCIA PESSOAL
Ao terminar de ler o livro resolvi lançar uma pesquisa informal com amigos, perguntando como eles descreveriam Deus.
Obtive respostas que mesmo quando simples, vinham acompanhadas de um sentimento especial. Apesar das diferentes filiações religiosas do pesquisados, elas tinham um componente em comum. Elas continham uma VERDADE interior.
O sentimento do homem para com Deus é igual entre todos, independente da sua capacidade de expressão. Não é porque um religioso ou um filósofo sabe melhor descrever Deus que isso signifique que seus sentimentos ou sua religião seja melhor do que as outras.
Não é o conceito mental de Deus que norteia as pessoas. Mas pensar sobre Deus ajuda a encontrar esse norte e como diz a autora: pensar sobre Deus ajudará a evitar que sejamos manipulados pelos que dizem saber o caminho. Quero então encerrar esse longo post reafirmando o que coloquei no início: O livro é um espetáculo. Recomendo.
VIDEOS SUGERIDOS PELO AUTOR DESSE POST:
paulo@meditecomigo.org
Seja avisado de novos resumos. Em média 1 ou 2 livros por semana. Sem propaganda, nem bate-papo. Saia a qualquer hora.
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