SOBRE O AUTOR
René Guénon foi um intelectual francês ligado ao esoterismo islâmico. Viveu entre 1886 e 1951, período de muita mudança no mundo. Passou pelas duas guerras mundiais. Viu o nascimento e crescimento de várias linhas espiritualistas pela Europa. Guénon observou tudo isso e deixou diversas obras. Entendia de simbolismo, hierarquias, rituais. Era um crítico do Espiritismo, da Teosofia e de várias linhas de ocultismo. Seu livros mais conhecidos são “A crise do mundo ocidental” e “Oriente e Ocidente“.

Guénon defende que a espiritualidade verdadeira transcende as fronteiras de religião e culturas. René é um dos grandes disseminadores da “filosofia perene”, conjunto de princípios universais e atemporais que são comuns a todas as grandes tradições religiosas e filosóficas. Ou seja, que o caminho espiritual de busca por conexão com o divino é universal, é um só. E é esse entendimento que lhe permite comparar diversas práticas iniciáticas fazendo de Guénon uma referência em religiões comparadas.

O LIVRO
“Iniciação e realização espiritual” é uma seleção de artigos curtos, de 2 a 3 folhas, publicados entre 1940 e 1950. Vem como resposta a críticas que surgiram após um livro anterior “Considerações sobre a iniciação“. Você não precisa ter lido o anterior como requisito para ler esse.

CONTEÚDO DO LIVRO
Em “Iniciação e realização espiritual“, é dada mais ênfase na iniciação do que na realização.

A palavra iniciação significa um processo muitas vezes ritualístico onde o interessado tem contato com seres de um mundo espiritual. Durante um ritual iniciático lhe é transmitido uma influência espiritual que uma vez correspondida o ajudará em seu desenvolvimento. Tradicionalmente esse processo é conduzido por um professor ou guru que já tenha acesso à esse mundo espiritual. A palavra iniciação também significa o início de um caminho. O ritual iniciático não vai te entregar a “realização espiritual”. Não vai fazer o serviço que cabe a você. O caminho exige perseverança e leva tempo.

Mas a modernidade tem o imediatismo como uma exigência, e o mínimo esforço como princípio. Sem saber que imediatismo e mínimo esforço são o contrário do caminho espiritual, as pessoas do mundo moderno esperam sair de uma iniciação já transformadas. Mas o mercado não perde tempo e logo surgem cerimônias iniciáticas para atender esses requisitos. Segundo o autor são deturpações, enganações. Explico abaixo.

Para o cliente ser bem atendido é oferecido algo sensorialmente perceptível. Como o espiritual não é sensorialmente perceptível, as falsas iniciações não passam de uma conexão a uma egrégora coletiva que é essencialmente mágica ou psíquica. Essas são mais perceptíveis que o plano espiritual.

A norma dos rituais modernos passa a ser direcionar o foco para o extraordinário, para sensações, show. Ou seja, para tudo que é externo e vazio de significado interior. Novamente é preciso dizer que o mercado é implacável e o vazio dessa superficialidade é preenchido por atividade mental especulativa que quebra os poucos vínculos espirituais que existiriam na iniciação. O que para o autor é um erro, para a modernidade é a meta: Eliminar todos os vínculos espirituais, secularização, técnicas. Se possível bote aí uma pitada de cientificismo.

A superficialidade e a falta de conexão espiritual permitem deformações nos rituais e acabam sendo introduzidos elementos externos estanhos àquela espiritualidade original. Se mistura tudo nos rituais. Uma salada de frutas que posteriormente foi chamada de Nova Era.

Além disso, ao mesmo tempo que por um lado temos as distorções dos rituais, por outro lado temos a indisposição do iniciado. Mesmo quando um ritual iniciático é bem feito observando todos os requisitos, aquele vínculo espiritual criado que permitirá aptidões e capacidades evolutivas fica em um estado latente, pois me responda: Quantos realmente dão continuidade? A maior parte começa num caminho e depois desiste. Como adverte Guénon, o conhecimento metafísico não chega aos curiosos, aos pragmáticos ou àqueles que tem medo.

A segunda palavra do título, “realização espiritual” é o objetivo final da busca espiritual. “Realização espiritual” não significa restabelecer a união ou o vínculo com o Divino pois esse vínculo nunca foi rompido. Significa realizar a consciência efetiva desse vínculo.

A ideia geral do livro é essa apresentada acima. Outros temas são tratados tais como:

• Os diferentes tipos de iniciação para os diferentes tipos de pessoa segundo o Hinduísmo
• As qualificações necessárias de um professor ou guru
• A distância e as dificuldades espirituais para a classe média
• As falsas e verdadeiras iniciações
• Esoterismo, exoterismo, mística e ascese
• Conversão e quando não é mais possível se converter
• Os obstáculos psicológicos e culturais do homem moderno
• A importância de se sacralizar a vida profana.
• A importância do trabalho, da profissão.
• A volta do Bodhisattva

CURIOSIDADE
Alguns trechos que copio abaixo me chamaram atenção. Não posso desenvolver esses trechos pois ficaria muito grande. Só lendo o livro.

• Moral sem vínculo espiritual é mera superstição.
• A busca pela salvação é legítima, mas é egóica.
• O altruísmo é a preocupação pelos interesses de uma coletividade mas se dá sem sair do nível individual. Portanto, a busca pelo altruísmo não ajudará na transcendência.
• Quem fala em “salvação” está falando em “conservação” e não em transcendência. Assim, fica claro que a união com Deus dos místicos é bem diferente da união do Yoga ou dos Sufis. Não quer dizer que uma seja melhor que a outra mas são coisas diferentes.

A QUEM SE DESTINA
Apesar de ter adotado o islamismo, Guénon praticamente não fala de Deus, muito menos de Cristo.
Guénon não fala de energias, espíritos, saída do corpo. Não apresenta exercícios iniciáticos. Nada disso. É mental, para um público intelectualizado.

A escrita é seca. Não tem o menor traço de poesia e isso desagradará muitos leitores.
As frases são extremamente longas tomando quase que um parágrafo inteiro. Tem uso excessivo de apostos e se utiliza de dupla negação com muita frequência resultando em um texto enrolado.

Além disso, não é introdutório. Seu valor está em nos convidar a pensar o que faz um ritual ser realmente iniciático. Nesse sentido ele cumpre sua missão.

Achar livros de René Guénon em português não é fácil e por isso se tornaram muito caros. Você encontrará mais fácil em inglês, ou no seu idioma original, francês.

CRÍTICAS
Guénon fala de uma modernidade de maneira deslocada de todo resto da história. Alguns outros outros autores como Rudolf Steiner conseguem interpretar que graças a essa mentalidade lógica científica conseguimos obter maior capacidade mental. Foi como uma necessidade da humanidade que agora precisa ser orientada. A modernidade tem um porquê.

Também senti falta das consequências da iniciação, de seus efeitos colaterais ou “amarrações”. Esse é um tema indispensável. Talvez encontre isso no próximo livro.